AUMENTO DA EXTREMA POBREZA AFETA BELO HORIZONTE

(Publicado pela 10ª Edição do JORNAL MARQUINHO)
Por Marianna Ferry
O ano de 2020 foi o quarto consecutivo com aumento da extrema pobreza no país, segundo indica a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Belo Horizonte esse aumento também é perceptível pelo número crescente de moradores em situação de rua. A crise econômica, com a elevação do desemprego, a migração, a instabilidade política e, por vezes, problemas familiares explicam a vivência nas ruas.
Os efeitos negativos se tornam claros para qualquer um que frequente lugares como o Centro da capital. Tendas, colchões nas calçadas, varais improvisados nos arbustos da Praça Raul Soares, barracas concentradas na Praça Sete, entre outros traços da população desfavorecida economicamente, mostram o abandono e mesclam-se com a paisagem urbana.
Para o "seu Adão" de 55 anos, antigamente conhecido como Daniel Corrêa, estar em situação de rua foi uma escolha. "É como diz a frase de Renato Russo: para o seu governo meu estado é independente", Adão cita a letra de Baader-Meinhof Blues, música lançada em 1985 pela banda Legião Urbana, para explicar que sua escolha se trata de um ato de liberdade.
Ao "construir" seu pequeno barracão
na esquina da Rua Inconfidência com a
Avenida das Américas em Betim, seu principal obstáculo acabou sendo a Prefeitura
Municipal. "Eles tentaram me tirar daqui
de tudo quanto é jeito, mas perderam todas as ações judiciais". Ele comenta que
o único tipo de auxílio que recebe do governo é o Bolsa Família, mas ele realmente não precisa de muito para se manter:
"Um real para o pacote de pão dormido,
três reais meu cigarro e, se faltar dinheiro
pro cigarro, eu faço reciclagem."
Renda dos mais pobres caiu
De acordo com o Banco Mundial, instituição financeira internacional que efetua empréstimos a países em desenvolvimento, no período entre 2014 e 2019 ocorreu uma diminuição da renda de cerca de
40% da população mais pobre - 85 milhões de pessoas -, em 1,4% a cada ano.
O número de brasileiros em situação de
rua atualmente ultrapassa 220 mil cidadãos, um aumento de 140% se comparado com a situação em 2012. Este dado
foi divulgado em junho passado na 'Nota
Técnica' do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os números são coletados através do
Cadastro Único (CadUnico) do governo
federal, por informações passadas aos
órgãos públicos ou pelo censo anual do
Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas), que conta com informações das secretarias municipais. Somente a região
Sudeste detém mais de 124 mil pessoas
em situação de rua.
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), com base nos dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, esse número chegou a 9.137 cidadãos em BH em janeiro de 2020. O aumento é de cerca de 15% se comparado com as 7.824 pessoas computadas em 2019.
A Secretaria atribui a situação a questões de migração inter e intramunicipal, principalmente considerando que BH é uma metrópole pela qual circulam milhares de pessoas diariamente, o que faz com que o número de habitantes da grande cidade flutue constantemente e dificulte manter os dados cadastrais atualizados. Por este motivo, os dados apresentados pela Smasac são atualizados a cada 12 meses.
Ações durante a pandemia
Com a falta de renda e trabalhos informais, prejudicada pelo distanciamento
social e necessidade de segurança durante a quarentena, a população desempregada, sem casa própria e sem parentes capazes de lhes oferecer abrigo, não
tem muita escolha senão manter-se em
situação de rua. Com o cenário atual em
mente, a Prefeitura mantém 2.033 vagas
em 14 abrigos destinados a homens e
mulheres adultos, jovens e a famílias em
situação de rua. Também oferece programas como o "Estamos Juntos" com cursos de qualificação profissional e vagas
em postos de trabalho, além de programas de alimentação, saúde e segurança.
Sobre a pandemia da Covid, a Secretaria de Assistência Social garante que a Prefeitura iniciou o serviço de acolhimento provisório e emergencial para pessoas em situação de rua e outras vulnerabilidades sociais com suspeita ou confirmação de contaminação pelo coronavírus.
O padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, que vem dedicando sua vida à defesa da população humilde, participou de uma aula conjunta no dia 6. O evento foi organizado pela Faculdade de Comunicação e Artes que completa 50 anos e pelos Institutos de Ciências Humanas e Ciências Sociais. "Como fazer da cidade uma casa comum: alternativas e caminhos para enfrentar a pobreza" era o tema. Destacou o padre Lancelotti: "Ter sinais claros para tornar a cidade mais humana". Olhar pelas pessoas "descartáveis". "Amar, neste sistema em que vivemos, é desordenar".
O MARQUINHO traz, na próxima
edição, uma cobertura completa.